Deus está nos céus, e você está na terra, por isso, fale pouco. [Eclesiastes 5:2]

“As coisas encobertas pertencem ao Senhor”, diz o livro de Deuteronômio. Não são poucas. O fim do livro de Jó mostra Deus interrogando o protagonista sobre diversos assuntos terrestres durante quatro capítulos. “Você quer saber minhas motivações e intenções, quer entender o que se passa nos céus”, Deus parece dizer, “mas não entende nem o que acontece ao seu redor”. Quem numerou as nuvens, Jó? Quanto tempo demora a gestação das cabras montanhesas, Jó? Quem consegue domar o grande monstro leviatã, Jó? Se você nem sabe o que se passa na Terra, melhor falar pouco sobre o que se passa nos céus.
Apesar da resposta de Deus, o questionamento de Jó era justo — tanto que o autor do livro deixa claro que, em tudo que o patriarca disse, ele não pecou contra Deus. Mas Deus mostrou para Jó que mesmo o questionamento justo passa sem resposta, e mesmo as perguntas mais básicas e necessárias só podem ser respondidas com mais perguntas. Há uma parte da realidade que o ser humano não pode e não consegue compreender, mas é bem a parte que mais importa. O que fazer, então?
Certo é que falei de coisas que eu não entendia, coisas tão maravilhosas que eu não poderia saber. Tu disseste: ‘Agora escute, e eu falarei; vou fazer-lhe perguntas, e você me responderá’. Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram. Por isso menosprezo a mim mesmo e me arrependo no pó e na cinza.
Foi assim que Jó respondeu às perguntas de Deus, com humildade. Ele não teve uma resposta para suas dúvidas, mas teve algo bem melhor: “meus olhos te viram”. Jó encontrou Deus, e assim soube que podia confiar que as respostas para as perguntas que ele tinha eram boas, mesmo sem as conhecer. “A extrema ocultação de Deus é um fato de conhecimento constante. Mas seu interesse, sua orientação, sua vontade e seus mandamentos são revelados ao homem e capazes de serem experimentados por ele”, escreve o rabino Abraham Joshua Heschel. Por causa de seu amor constante por nós, dá para ter certeza de que há significado por trás do mistério.
Em seu clássico God in search of man, Heschel escreve que há três atitudes que podem ser tomadas frente ao mistério: a fatalista, a positivista e a bíblica.
Para o fatalista, é o mistério quem controla a realidade. A humanidade vive sob a incerteza de um futuro que repousa nas mãos de um poder irracional e inescrutável. Como nada faz sentido e nada pode ser feito para criar algum sentido, a única postura lógica é a resignação.
Já para o positivista, o mistério não existe. As perguntas sem respostas só estão esperando a justificativa certa. Tudo vai poder ser explicado. O sentido da vida pode ser resolvido com um experimento. É uma visão reducionista da realidade, que não exclui a fé, mas a transfere para o método científico.
A perspectiva bíblica sabe que, por trás do mistério, há amor e justiça. Por isso, ela não se deixa dominar pela resignação ou pelo “destino” que se impõe sobre a vida. O mistério não tem a palavra final.
A teologia do destino só conhece uma dependência unilateral do poder supremo. Esse poder não se interessa pelo homem e nem precisa do homem. A história corre como um monólogo. Para a religião judaica, por outro lado, a história é determinada pela aliança: Deus precisa do homem. Aquilo que é supremo não é a lei mas um juiz, não é um poder mas um pai.
No silêncio de Deus, há um pai que ama seu filho e sabe quanto ele precisa saber. A atitude bíblica é uma relação de confiança que não é acrítica e sem dúvidas, mas entende que o amor de Deus é maior que o mistério. As perguntas não são o fim, porque cremos e esperamos num Deus que é “revelador de mistérios” [Daniel 2:47].